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"Moradores do São Judas Tadeu serão beneficiados com obras conseguidas pelo deputado Antônio Brito

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segunda-feira, 10 de maio de 2010

NESTA TERRA DE MAGIA..TUDO É POSSÍVEL ,ATÉ... QUEM COM FERRO, FERE...

shirley de queiroz

PELA BAHIA

Ao dobrar a esquina da Rua Santa Maria, Antônia, mulherzinha linguaruda e
espavitada, já alguns anos, esposa de Emerenciano, avistou Xandó. Ele caminhava ás
pressas e visivelmente desconfiado, olhava em todas as direções e de encontro ao
peito chapado e murcho, apertava a velha e surrada pasta preta, que não largava,
nem mesmo por decreto lei.
Ao passar diante da casa de Bezinha, a mulata gorda e arrelienta, que morava no
número 32 da rua Santa Maria, ele, deliberadamente, atrasou sua caminhada,
diminuiu consideravelmente o ritmo das passadas,até então , largas, que
furiosamente jogava para os lados as bandas das pernas de sua calça de casimira
preta. Vestia-a duas vezes por semana, exatamente nos dias , em que folgava no
hospital , aonde trabalhava como auxiliar de enfermagem .
Xandó, desde o dia em que atendeu a volumosa Bezinha , em uma de suas crises de
enxaqueca , adotou em seus dias de folga o costume de passar pela Rua Santa Maria.
Passava, mas não entrava, sequer parava diante do portão de madeira ,pintado de
verde escuro, que nas últimas semanas, não saia de sua mente. Encurtava os passos,
que até então vinha apressado e comprido, alisava com a mão de dedos finos e
pálidos, os cabelos ensebado de brilhantina vagabunda e escandalosamente
perfumada, e, ao correr o olhar para dentro da casa fechada, fungava sensualmente.
Preocupado, olhava em seu redor,não queria ser visto.
E assim foi que naquele dia tudo transcorreu do jeito de sempre. Algumas passadas
depois da casa de Bezinha, ele tomou o ritmo anterior e apertou o passo. Quando
chegou na esquina de cima, três quarteirões depois do portão verde,Xandó parou.
Puxou do bolso traseiro de sua calça de casimira preta, um lenço embolado, e com
ele limpou o suor da testa, abundantemente transpirada. Cheio de mágoa e com os
olhos fitos no portão verde, ele observou amuado:
- Mas que mulher difícil...parece que nunca sai ao portão...será assim tão ocupada
?...Casada sei que não é... Parente também não tem... Sei que não tem, vive
sozinha...e é tão farta...- olhou comprido na direção do portão verde que agora
estava longe, e continuou : - Tem tanta carne naquele corpo...viche..ah se eu
pudesse.... – pensou um instante e completou : - e ainda por cima é assim, toda
trigueirinha ....muito,muito mais gostosa!... viche se é ?! -.Plantado na esquina
com o olhar pregado no portão verde, aguardou um pouco mais. Contrariado,
cumprimentou Genésio,que ao passar por ele, deixou no ar, seu cheiro
característico . Xandó não gostava de Genésio, que era fartamente conhecido por
todos, como o lobisomem de Jequié. Entre os dois não havia nenhuma sintonia, o
achava ignorantão e até grotesco, sobretudo lhe irritava profundamente, a catinga
forte que impregnava o ar por onde Genésio passava. E assim, sempre que podia,
Xandó o evitava. Contudo, às vezes o encontro dos dois era inevitável , em algum
bar, numa esquina, em algumas ocasiões, ás vezes até nos velórios que Xandó jamais
perdia.Após a passagem de Genésio, ele, acintosamente cobriu o nariz com o lenço
embolado, que outra vez tirou do bolso traseiro da calça , e , irritado com o
inesperado encontro, se apressou em deixar o lugar, que até aquele momento havia
sido o seu ponto de observação.
Já cruzava a Avenida Duque de Caxias, quando , com um toque amargo relembrou e
pensou: - Foi falta de sorte...tá difícil me aproximar da mulatona...tão
carnuda... E a bunda que tem... iche,aquilo é bunda pra muito tempo...- Antes de
atravessar a esburacada rua de sua casa, parou e secou o suor do rosto. Olhou o
lenço avermelhado e ensebado pela poeira e brilhantina que corria pela testa larga
e completou saudoso e agastado :
- Os peitos também.
Quando seu pé atravessou a soleira da porta de sua casa eternamente escura, isto,
apesar da claridade dos dias causticantes , na ensolarada Jequié, aspirou fundo
balançou o corpo magro e recomendou para si mesmo:
- Essa casa ta precisando de uma arejada.... Pudera..fica muito tempo fechado, pra
falar a verdade ...ta igualzinho o cheiro daquele catinguento do Genésio...acho
que estou precisando dá sumiço nesses restos...- coçou a cabeça de cabelos
grudados no couro,ás custas da brilhantina de cheiro pronunciado e colocou a pasta
preta sobre um móvel empoeirado . Em seguida arregaçou as mangas, suspirou fundo e
observou : - Viche,to precisando ir até o Rio Das Contas ainda hoje... Esse cheiro
não ta muito bom....- Distraiu-se,chacoalhou o corpo magro e novamente pensou em
Bezinha e balançando o corpo desajeitadamente cantarolou um trechinho de uma
musica da moda e depois disse : - Ah!....Mais a mulatona deve ter uma lasca de
buceta ! É uma pena, mas essa semana eu não tenho mais chance... Infelizmente vou
ter que esperar até a semana que vem....amanhã pego no batente de novo... Mais
deixa pra lá, sempre tem um veloriozinho para ir... Igual a mulatona não tem... E
o pior é que a danada não sai de minha cabeça, a bocetona deve ser uma lasca!
vixi!!!
Xandó apanhou a caixa pesada, que estava coberta com um saco de cimento rasgado e
a colocou de lado, inesperadamente pulou para trás e resmungou contrariado :
- Iche, que esqueci de tirar a roupa! Ando tão distraído...é a danada da mulatona
gostosa que não sai de meu pensamento, mas deixe estar....a semana que vem ela não
me escapa....se for preciso, bato na porta....- pensou um pouco e depois arrematou
:- Naturalmente que com muita discrição...naturalmente....deixe estar, sou muito
discreto...esta é a vantagem, posso comer quantas mulheres quiser e a verdade é
que ninguém nunca descobriu... Ainda bem!...
Enquanto tirou a roupa domingueira, ele sacudia o corpo para os lados,como se
estivesse dançando, mas desajeitado parecia um boneco desengonçado, seus gestos
duros e não se afinavam com o ritmo da musica a todo instante ,desafinadamente
cantada por ele .
Após se despir, colocou na frente do corpo magro e nu, um avental , apanhou a
colher de pedreiro estrategicamente colocada ao lado de um saco de cimento e
dentro de uma lata de vinte litros, principiou uma massa.
Xandó ,pelado,vestindo somente o avental, foi balançando o corpo enquanto cantava
a modinha da mula preta, ate a escura dispensa, e ao entrar franziu a testa e
tapou o nariz. Apanhou na prateleira escura e empoeirada um saco plástico e com o
rosto voltado para o lado,sem abrir ,deu um nó no mesmo, fechando –o rapidamente .
As moscas azuis, grandes e estranhamente bonitas, zumbiam furiosamente e se
cruzavam enlouquecidas, brigando pelo que estava dentro do saco plástico, agora
nas mãos de Xandó, que de cara fechada, com a mão que estava livre, insistia em
espantá-las. Na tentativa de tangê-las a qualquer custo, seus movimentos eram
bruscos e desordenados, mas teimosamente elas voltavam e parecia querer brigar
pelo conteúdo do saco que ele segurava, agora , com a boca amarrada..
Impacientando – se com a situação, ele, apanhou no chão um pano que parecia um
guardanapo e passou a sacudi-los na direção delas, enquanto furiosamente as
xingava :
-Xô ! Xô! Xô insetos filhos da puta ! Bicho enxerido é mosca varejeira ...Xô
filhas da puta !!!Sai pra lá bichos do diabo!! Vão arretar o cão, suas condenadas
do inferno!!! Vão arretar o cão !!!
Apressou-se em colocar o saco plástico dentro da lata de vinte litros e o empurrou
até ve-lo sumir por baixo da massa de cor esverdeada. Limpou as mãos de dedos
longos e finos num pedaço de papel e ainda se esquivando das moscas varejeiras,
afirmou :
-Ainda hoje levo isso para o Rio das Contas...já devia ter sido enterrado...é mas
não deu, a lua era cheia...não gosto dela...pra falar a verdade me dou melhor com
a escuridão de breu , principalmente em noites de velório... A verdade é que sou
um bom samaritano, cumpro com o meu dever de cidadão solidário. Olha, e no que
depender de mim, todas serão purificadas... e de mais a mais, quem fica com a
parte pecaminosa sou eu... Pra dizer a verdade acho que faço um grande trabalho...
E é justamente disso que eu gosto!

Já era uma semana depois, como o sol escaldante de Jequié, estava arrebentando
mamonas, as ruas estavam desertas. Passava das quatorze horas, Xandó, atracado a
sua surrada pasta preta, apressado dobrou a esquina da Rua Santa Maria. Cuidadoso,
parou e observou, lembrou-se que era comum encontrar por ali Antonia , a mulher de
Emerenciano, sabia e conhecia a fama de sua língua afiada, portanto,para
resguardar-se duma provável aparição dela, aguardou por mais um minuto.
Xandó secou o suor da testa brilhante, apertou a pasta de encontro ao peito murcho
e como a rua não tinha ninguém, tampouco apareceu a espevitada Antônia, ele
estufou o peito murcho para frente e cheio de coragem caminhou na direção da casa
da mulata, que nos últimos dias, havia lhe tirado o sossego .
De frente ao portão verde da casa de Bezinha, ele, cuidadoso olhou para os dois
lados, somente depois é que bateu palmas. Bezinha, a mulata gorda e exuberante,
vestia um camisolão de cambraia muitas e muitas vezes lavada, e pela pouca textura
do tecido, suas formas estavam totalmente á vista. Xandó, agarrado a sua pasta
preta teve um frêmito, seus lábios finos tremeram e seus olhos miúdos dançaram
dentro da órbita.Sua voz sôou insegura e muito baixa,como quem não quisesse ser
ouvido, ao dizer:
-Olá dona Bezinha...quero lhe falar um minutinho, é possível ?
Ela não subiu os degraus que a levaria ate ele, remexeu o corpanzil de uma forma
que demonstrou inteira satisfação e depois de um breve silêncio exclamou :
-Oxente...Oxente gente, mas não é o seu Xandó ?... O moço da injeção ? Mas tá
fazendo o que por aqui home?
-Bom...Bem eu ... - tentou dizer.
E ela transbordando sua alegria , pediu :
- Desça. Desça até aqui,vem dá um dedinho de prosa comigo... Empurre o portão que
ele tá somente encostado...venha, venha tomar uma xicrinha do meu café ..... Venha
cá...
Os olhos miúdos de Xandó, ávidos e curiosos, passearam pelo corpo da mulata. Antes
de se decidir, e de principiar a descida dos degraus,ele, cuidadoso, ainda olhou
mais uma vez para os dois lados da rua, para sua tranqüilidade, ela continuava
deserta. Agarrado a sua surrada pasta preta, empurrou o portão verde e leve feito
uma criança que ganhou um doce, ele desceu .
A casa de Bezinha, que era bastante recuada, e que ficava a mais de um metro
abaixo do nível da rua, estava fresca, contrastando satisfatoriamente com o calor
abrasador que a tudo torrava. Á volta da casa , algumas arvorem frutíferas,
favoreciam sobremaneira e acalmava o mormaço. No oitão da mesma, uns princípios de
monturo, aonde, as moscas varejeiras, zuniam e sobrevoavam ás tonto.
Xandó limpou o suor da testa porejada e sentou-se no lugar indicado por Bezinha,
que segurando uma velha e muito areada chaleira, fez uma grande propaganda de seu
café. Era evidente o interesse com que ela o fitava e escandalosamente o adulava.
- Precisa incomodar comigo não dona Bezinha... Passei por aqui pra ver se tá
melhor da enxaqueca.
Ela gesticulou exageradamente com a mão vazia e respondeu :
-Meio lá meio cá, seu Xandó... Enxaqueca é doença que vai e que volta.
Os olhos ávidos de Xandó, passeavam pelo corpo da mulata avantajada, que também o
fitava de maneira parecida. Ele, descontrolado não se continha, acintosamente
lambia os lábios finos que nervosamente não paravam de tremer
Após o cafezinho, servido em uma avermelhada caneca de barro, Xandó com os olhos
pregados na opulência dos seios de Bezinha, sentiu que o desejo era maior que a
cautela. Enfiou a mão dentro da pasta preta que durante todo o tempo manteve junto
de si e caminhou ate a mulata, que encostada á pia, conversava animadamente com
ele.
A um palmo da gorda mulata, Xandó, ainda conversando e lambendo os lábios trêmulos
mantinha a mão dentro da pasta preta, e quando esta começou sair , ele recebeu na
testa larga e suada, o golpe certeiro.
O cepo que estava sobre a pia, por trás de Bezinha, atingiu sua cabeça com o peso
de um paralelepípedo . Sem sequer ter tempo de compreender, ele, pesadamente foi
ao chão. Bezinha, olhos arregalados, mostrando no ato toda sua satisfação ,
desferiu outro golpe e ao ver o corpo estremelicando na sua agonia de morte, riu
triunfalmente . As mãos roliças seguravam o cepo e por um momento ela quedou
fascinada diante do cadáver, agora inerte aos seus pés, depois resmungou
satisfeita :
-Quase que tu me escapa hein ? E pensar que por você cheguei até a tomar injeção
...minha nossa, quanto sacrifício a gente faz por um bom pedaço de carne
magra,espia,eu odeio injeção, mas sou doida por um bom pedaço de carne magra e
mais ainda se o bicho for bicho homem ...
E no Barro Preto, um bairro pobre da ensolarada Jequié, aonde escondida por trás
de uma moita de cansanção fica a casa de Xandó. As moscas varejeiras, brigando uma
com as outras, atabalhoadamente sobrevoam um saco plástico que está sobre a
prateleira escura e empoeirada do armário da dispensa, contendo entranhas humanas,
que ele, Xandó, na ânsia de saborear um novo prato, sequer teve tempo de levar
para enterrar no leito do Rio das Contas.
SHIRLEY DE QUEIRÓS
Biografia:
Shirley de Queiroz, nasceu na ensolarada Jequié-Bahia no dia 05-10-1943.É autora
de Unidos na Solidão, Sala de Aula, Confissões de uma Pomba-Gira, Adelaide Carraro
no Mundo Cão de Silvio Santos, e autora de muitos contos,que escreveu para
revistas de circulação nacional. Tem um novo livro para ser lançado,que ja está
sob avaliação de algumas editoras, chamado : - Minha Incrivel Passagem pela
Cadeia.

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